Vivendo no limite
I. Mudando de ares.
De repente, virei atração principal da boate mais luxuosa do Rio, a Vegas Café, na Barra da Tijuca. Deus trabalha de forma misteriosa, eu já disse. Aluguei um apartamento ao lado da Igreja do Pastor Anjo por ser perto do meu trabalho. Se na Abra Kadabra eu ganhava gorjetas de 100 reais, na Vegas Café eu chegava a ganhar 200 reais de cada cliente. A boate era muito maior e eu fazia duas apresentações. No intervalo entre um show e outro eu sentava cinco minutos na mesa de um, mais 10 minutos na mesa de outro. Sempre orientada pelo meu gerente que determinava o tempo que eu ia falar com cada cliente. Esse tempo era de acordo com a conta bancaria deles. Minhas atitudes dentro da boate eram milimetricamente calculadas. Eu pedia o drink mais caro da casa (sem álcool) os estimulava a beber até ficarem bem alegres e os deixava com uma garota que iria terminar o serviço. O meu chefe tinha esperança de eu aceitar fazer programa com algum dos milionários. Eu gostava muito de dançar, jamais me passava pela cabeça de ganhar dinheiro com algo que eu não gostasse de fazer. As ofertas eram realmente tentadoras.
Minha companhia era bastante disputada pelos clientes mais ricos e poderosos. O gerente brincava dizendo que ia me leiloar. Geralmente esses homens eram chamados de magnata. Eles não queriam sexo, queriam companhia, boa conversa. Queriam apenas fazer figura e mostrar que tinham dinheiro. Eu prendia a atenção deles com uma conversa divertida e inteligente. Um sorriso nos lábios e um olhar sedutor prende a atenção de qualquer homem. Eu jamais desviava o olhar dos meus clientes quando eu estava falando sobre sonhos, os meus mais altos sonhos. Eu não sei da onde eu tirava tantos sonhos. Era tanta imaginação que até eu me surpreendia. Me surpreendia como eu podia ser varias mulheres ao mesmo tempo. Na mesma noite em que eu queria ser uma secretária executiva bilíngue eu também poderia ser uma famosa locutora de rádio. Eu me reinventava para cada cliente. Dez minutos de conversa era suficiente pra eu detectar que estilo eu poderia fazer para agradar mais.
Lembro que com o magnata Albert eu falei do meu verdadeiro sonho de ser uma grande bailarina. Ele me dizia que eu já era a maior bailarina do mundo inteiro. Eu disse que não se tratava só de ter precisão nos movimentos e sim de reconhecimento. Falei pra ele que queria ter várias escolas de dança com o meu nome. Meu sonho era ser referencia assim como Mikhail Baryshnikov, Fred Artaire e Michael Jackson. A versão feminina de todos esses grandes artistas. Ele era a única pessoa que se mostrava realmente interessado e que torcia pra que eu realizasse meus sonhos. Ele também me elogiava por saber conversar sobre os mais variados assuntos. Isso me garantia uma certa vantagem, pois os homens em geral não se interessavam apenas pelas minhas curvas. Eles ficavam muito satisfeitos de pagar apenas por uma boa conversa. Eles abriam a carteira fácil, fácil, só pra me surpreender. Lembro do Fabrício que eu fiz ele acreditar que o meu sonho era me tornar instrutora de mergulho. Ele me pagou o curso completo. Mergulhar, escalar e me lançar de uma altura tenebrosa não era uma coisa difícil para mim. Viagens e aventuras era a minha cara. Eu poderia fazer todas aquelas coisas como profissão, mas ainda não era o sonho da minha vida. Mesmo assim eu era insegura. Em meu coração eu queria viver da dança.
II. As lembranças machucam.
Ainda tinha muito do Luca dentro de mim. Aquela mágoa parecia que nunca ia sair do meu peito. Eu não conseguia esquecer o olhar frio dele enquanto o segurança me tirava de dentro daquele banheiro. Eu acho que ele ainda era o meu maior sonho. Naquela época antes de Deus me abrir a visão eu largaria qualquer coisa por ele. Qualquer sonho meu era pequeno perto dele. Amar alguém assim é deixar de amar a si próprio. É colocar a pessoa amada e os interesses dela acima de você. Ainda não estava aberta para me interessar por outro homem. Apesar de tentar, eu não conseguia me sentir atraída por ninguém. Um dia almoçava com o Daniel. Outro dia jantava com o Gabriel. Um sorvete com alguém. Um happy hour com outro alguém. Eu sempre soube que só se cura um amor com outro amor. Eu tinha medo que isso jamais acontecesse. Era a impaciência da juventude. Não importava quantas pessoas haviam ao meu redor, eu sempre me sentia sozinha. Uma pessoa que mora longe da família sempre se apega aos amigos, e eles, eu tinha abandonado. Minha vida se resumia somente ao meu trabalho. Apesar da minha nova vida na Barra ter poucos meses eu já estava enfadada. Precisava dar um sentido a minha vida. Não era uma boa hora de ter uma crise existencial de adolescente. Um tanto quanto tardia, mas uma fase que me trouxe aprendizados.
Se minha vida pessoal e sentimental estava morta e apagada a profissional brilhava cada vez mais. Já nem ficava mais surpresa quando ganhava um bom presente. Era um tal de trouxe de Miami daqui. Trouxe de Paris dali. Eram eletroeletrônicos, perfumes e as vezes até joias. Eu me sentia mimada pelos meus novos admiradores. Mas eu não podia me esquecer que aqueles presentes eram tentativas de me comprar. Na minha cabeça, aceitar os presentes, seria o mesmo que me prostituir. Eu nem preciso dizer que eu era muito invejada. Além disso, eu também era incompreendida. Poderia ganhar muito mais dinheiro e presentes do que qualquer mulher daquela boate. Poderia até conseguir um bom casamento. Não aproveitar as oportunidades que apareciam deixava muitas colegas revoltadas. Eu andava de cabeça erguida, pois nunca prejudiquei ninguém. Não sabia o que era usar as pessoas. Nunca enganei uma só pessoa. Agi sempre com a verdade. Mesmo assim muitos tramaram contra mim. Quando não eram armadilhas de mulheres invejosas, eram homens tentando me violentar. Hoje eu posso afirmar que Deus protege os justos.
III. Sociedade carioca.
Um cliente da Vegas frequentava a boate sempre acompanhado de sua elegante esposa. A Madalene, foi garota de programa nos anos 80 quando conheceu seu atual marido, o adorável Steve. Eles moravam em New York e durante o inverno americano eles vinham para o Brasil. Madalene me adorou logo de primeira, pois eu era a única naquela boate que não queria roubar o seu marido bilionário americano. Ela me deu a ideia de dar aulas particulares de dança. Um ganha pão alternativo com a dança. Ela mesma me indicou para algumas amigas. Elas queriam saber o segredo da dança de Madalene que segundo elas, era a razão do casamento tão duradouro dos dois. Eu me propus a ensinar o gingado. Apesar de saber que a dança não prende ninguém se não o Luca estaria do meu lado. Uma mulher tem que aprender cedo ou tarde que o que faz um homem admira-la não é o seu corpo ou o que você faz com ele. A autoconfiança é um dos segredos de Madalene e de todas as mulheres inteligentes. Isso eu ainda não tinha descoberto.
O homem se apaixona pela mulher que consegue reunir essas três características: a amiga, a mãe e a prostituta. Foi um conceito machista que eu ouvi muito. Como a maioria dos homens são machistas muitos deles pensam assim. Difícil é reunir as três características em uma só mulher. Entenda que “amiga”, “mãe” e “prostituta” não estão no sentido literal. Nenhum homem faz sexo com quem considera sua amiga, muito menos com a mãe. Ele até pode fazer com a prostituta mas ele só se casa com ela se ela reunir todas estas características. Era o que Madalene era para Steve. Uma amiga incondicional que sabia ouvir e compreender, sem pre julgamentos. Uma verdadeira rainha do lar que conseguia ser tão boa mãe para os filhos dele quanto boa esposa. Ele fazia questão de elogiar dos dotes culinários de Madalene. E tudo isso sem deixar de ser aquela mulher sensual que está sempre soltando faísca na relação a dois. Então quando ele percebeu que aquela prostituta que levava ele à loucura era uma boa amiga que o apoiava em tudo e que ela era capaz de cuidar dele e da casa igual ou talvez melhor que sua mãe. Ele não teve dúvida. Ela era mulher pra casar. Isso mesmo! Os homens querem se casar com a Mulher Maravilha. Mas isso é conversa para outro livro.
Como professora particular de dança de mulheres ricas eu entrei para a righ society carioca. Fiz muitas amizades influentes. Claro que Madalene nunca comentou com nenhuma delas onde nos conhecemos. Ela também não queria que ninguém soubesse de suas origens. Todos sabemos que a sociedade é hipócrita demais mesmo no século 21. Enfim eu começava a guardar dinheiro. Eu aposto que eu tinha mais admiradores que qualquer celebridade do show business. E nenhum conseguia fazer meu coração disparar. Nessa época eu ajudei bastante minha família. Meu pai reformou toda a casa de Magé, minha irmã se matriculou no curso de idiomas e meu irmão pode comprar os instrumentos musicais pra formar sua banda. Mesmo eu me mantendo da dança eu não era realizada profissionalmente. Ser dançarina de Night Club não traria nunca pra mim o reconhecimento que eu merecia. Um ano se passou e eu sentia como se tivesse passado cinco. Estava cansada, stressada e deprimida. Cansada de perder tantas noites de sono e não poder aproveitar um dia de domingo na praia com meus novos amigos. Farta de fingir ser a garota feliz e sorridente para os clientes da Vegas Café. A depressão nem eu mesma tinha percebido, mas estava com sintomas avançados de depressão profunda. Eu achava tudo tão normal. Já disse no capítulo anterior que eu pensava estar defendendo o meu pão de cada dia.
IV. Solidão, depressão e alcoolismo.
Nos dias de folga é que eu percebia que eu era sozinha. Todas as pessoas que eu conhecia na zona oeste eram clientes ou ligadas a eles. Sejam da boate ou das aulas de dança. Eu não podia estreitar demais os relacionamentos para não confundir os clientes da boate ou para não ser descoberta pelas esposas socialites. Para afastar o vazio da minha vida eu me afogava em bebidas cada vez mais forte. Qualquer pessoa que me conheceu antes iria dizer que minha vida mudou muito e pra melhor. Eu morava num bairro nobre, fazia sucesso no meu trabalho, ganhava muito dinheiro, andava entre as mais altas rodas sociais. E ainda realizei os sonhos da minha família. É, realmente, aos olhos de quem estava de fora eu não poderia reclamar da vida. Mas aqui dentro de mim existia um vazio. Deus tinha que aparecer na minha vida. As amargas lembranças deixada pelo Luca. A falta de alguém pra compartilhar momentos bons e ruins. Enfim, algo que me motivasse era o que me faltava. O trabalho pra mim era uma obrigação que não me dava mais prazer. Eu ainda esperava que o Luca me escrevesse um e-mail dizendo que estava sozinho e que queria me ver.
Meus dias iam se arrastando sem nenhuma razão de ser. A depressão começou ficar mais séria e eu já nem ia mais trabalhar. O gerente da boate me ligou e eu disse que estava doente. Depois de duas semanas que eu estava afastada ele mandou a Yasmim me visitar, uma colega de trabalho, pra ver como eu estava. Ela chegou em casa e pode constatar que minha doença era alcoolismo e depressão. Ela tentou me dá uma força. Ela já tinha percebido a algum tempo que tinha algo errado comigo. Então ela me aconselhou a buscar ajuda psicológica. Eu prometi que ia procurar um profissional e que voltaria pra boate assim que me sentisse melhor.
Você pode estar sentindo o que for mas nunca recuse a ajuda de um profissional. Naquela época eu não conhecia Deus e nem conhecia outra forma de superar o que eu estava sentindo. Mas juntei as ultimas forças que tinha e fui a um consultório de uma psicologa muito famosa na Barra da Tijuca. Ela me ajudou a controlar a bebida e principalmente evitou que meu problema se agravasse e eu começasse a usar drogas. Ela me aconselhou a procurar ajuda espiritual, o que ela carinhosamente chamava de “terapia extra”. Eu tinha um encontro semanal com minha psicóloga. Não era apenas uma questão de deitar no divã e falar. No começo eu achei que ia ser bom ter com quem desabafar, a princípio era isso. Mas percebi que aos poucos minha terapia me ajudava a enxergar soluções alternativas para meus problemas. A terapia também me ajudou a analisar melhor meu sentimento pelo Luca e perceber que eu o idealizei.
Reingressei na faculdade, o que me encheu de ânimo. E retomei as aulas de dança. Mas entrei de licença médica no meu trabalho noturno, seguido de férias. Na verdade eu não pensava em voltar pra Vegas Café. Eu não queria mais trabalhar na noite. Foram muito anos trabalhando em casas noturnas, meu horário biológico não me deixava dormir a noite. Quando eu pegava no sono já era quase 6 horas da manhã. Continuava dormindo a manhã toda e perdendo noites de sono com minha insônia. A tarde dava aula. E a noite eu assistia aula. Quando chegava em casa era o dilema pra dormir, mas não tocava mais no álcool. Hoje eu sei que solidão, depressão e alcoolismo são doenças da alma. Me viciei nos programas evangélicos que passavam todas as noites durante a madrugada. Minha Psicóloga sempre falava que essa terapia extra é muito importante.) Aqui eu fecho o parentese que abri no início do capítulo anterior. Levei dois capítulos tentando resumir a minha vida quando eu estava doente de amor pelo Luca. Isso foi o meu martírio inocente. A luta espiritual que eu não tinha consciência que enfrentava. Foi aí que eu conheci uma nova filosofia religiosa e o Pastor Anjo, vocês lembram né, do primeiro capítulo.
E Que amor este dela pelo Luca... parecido com o meu, alguns amores verdadeiros são assim, nem o tempo faz acabar. Posso me mudar para o outro lado do mundo ficar anos sem ver e que sempre vou lembrar do meu amor.
ResponderExcluirLinda história! Moderna, atual e sensível. A história acaba no capitulo 4?